VIDA E MORTE NA ALDEIA DE CIDADELHE DO CASTRO

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A vida numa aldeia transmontana, junto da raia com a vizinha Espanha, no início da metade do século XX, isto é, depois de acabada a II Guerra Mundial, era pouco diferente da forma de viver da Idade Média; com os mesmos hábitos, costumes, usos, religiosidades, crendices e tantas e tantas outras coisas ligadas ao sentir e viver daquelas populações. Viviam longe de tudo e de todos, quase que isolados do resto do mundo. Em muitos dos casos, as pessoas tinham apenas como companhia mais próxima os seus animais domésticos. Viviam do fruto do seu trabalho, fazendo toda a sua vida ligada aos campos, ao cultivo das suas terras e à criação de alguns animais domésticos, tal como sempre o tinham feito os seus avoengos. 
Com esta monografia procurei fazer uma narrativa de alguns dos momentos mais pitorescos do sentir e do viver das “gentes daquelas terras”, isto é, das populações duma aldeia do Norte de Portugal, para a qual criei um nome, um nome imaginado, de Cidadelhe do Castro. 
 O nome de Cidadelhe do Castro, atribuído a esta aldeia imaginada, instalada lá nos confins do mundo, foi escolhido de  propósito para prestar uma modesta homenagem a tantas e tantas aldeias com nomes iguais ou parecidos a este, tais como Cidade, Cidadela, Cidadelha, Citadela, Citadinda, Cidadinha e outros mais ainda. 
Ao que parece, o nome de Cidadela terá surgido da composição das   palavras Cidade + ela. 
A palavra Cidadelhe, na Idade Média, significava uma pequena cidade murada, a que hoje chamaríamos de fortaleza. 
E a palavra Cidade, de onde, afinal, derivam todas as outras formas, tem a sua origem na palavra latina Civitas.        

Quanto à palavra Castro, também esta aparece em nomes de várias aldeias do norte do País, com nomes iguais ou parecidos, tais como Castelo, Castedo, Castrejo, Castrinho, etc.. E aparece, ainda, conjuntamente com outras palavras, tais como Castro Grande, Castro Laboreiro, Castro Maior, Castro Mendo, etc.. 
Por vezes, também aparecem algumas aldeias com o nome de Crasto, como forma metatética de Castro. 
As palavras Castro, Castelo, Castrejo, Castedo, Crasto e outros mais estão ligadas também à ideia de fortaleza, tendo uma origem pré-romana. 
A palavra Castro, ao que parece, tem a sua etimologia na palavra latina castrum.

O período aqui relatado tem a ver com a situação de algumas aldeias do norte de Portugal, que, a seguir à II Grande Guerra de 1945, ainda se encontravam numa situação de grande atraso em relação ao resto do País; sem estradas, sem caminhos de jeito, sem água canalizada, sem esgotos, sem luz eléctrica, enfim, sem tantas e tantas outras coisas que na altura já abundavam no resto do País. Na verdade, algumas das aldeias do norte do País, em especial as que se encontravam mais afastadas dos centros de decisão, as mais próximas da fronteira com a Galiza, as tais “onde se ouve o canto dos galos em Espanha”, viviam numa situação muito próxima da Idade Média. As suas populações viviam da mesma forma como viveram os seus pais, os seus avós, bem como os seus antepassados, dando a ideia de que ali o tempo tinha parado.
 Nesta monografia relata-se a vida duma aldeia serrana, num determinado período de tempo, por onde, uns anos antes, tinha passado um autêntico vendaval, provocado pela corrida desenfreada ao volfrâmio. De facto, “aquele vil metal”, que era cobiçado pelas potências militares em guerra, nomeadamente pela Alemanha e pela Inglaterra, existia com abundância em muitas daquelas aldeias, e, em alguns casos, encontrava-se mesmo a céu aberto.
Daí que as populações destas aldeias, envolvidas por este súbito e apetecível negócio, deslumbradas com a ideia de enriquecer facilmente, se sentissem a viver numa espécie de “El´Dourado à portuguesa”, que acabou por alterar uma boa parte dos seus comportamentos. E, de tal forma assim foi, que “acabaram por tomar a Nuvem por Juno”, tal como dizia um poeta transmontano da altura. 
Efetivamente, com a entrada de dinheiro fácil, algum de proveniência ilícita, ou, pelo menos, de proveniência bastante duvidosa, foi-se desenvolvendo a ideia duma vida de facilidades, bem diferente da vida rude e difícil que havia até então. E, de tal forma assim foi, que, alguns dos mais afoitos, se acharam enriquecidos dum dia para o outro.
Porém, se o dinheiro aparecia duma forma assim tão fácil, a verdade é que também era gasto muito facilmente, dizendo-se naquela altura, por aquelas bandas: “o dinheiro entrou pela porta, foi-se pela janela e nem chegou a aquecer a casa por onde tinha passado.” 
A euforia deste negócio tão lucrativo era de tal forma deslumbrante que um comerciante duma daquelas povoações, um tal Augusto Martins, numa noite, quando estava a comer, terá dito à sua mulher o seguinte: “olha, mulher, se a guerra continuar por mais uns anitos, ainda vamos comer em pratos de ouro.” 
E mais ainda. Um tal Rui Loureiro, um homem que tinha olho para o negócio, que fazia dinheiro de tudo, até de vender cascas de alhos, como por ali se dizia, um certo dia foi à cidade de Chaves comprar uma caneta de tinta permanente. Não se contentando em comprar só uma, comprou logo três, colocando as tampas dessas três canetas no bolso de fora do seu casaco, por cima dum lencinho de seda, dobrado, deixando o resto das canetas no balcão do comerciante. E, quando este lhe chamou a atenção para o facto dele deixar ali as canetas, assim lhe respondeu ele: “para que é que eu quero as canetas se eu não sei ler nem escrever. O que eu quero é as tampas para colocar aqui, no bolso do meu casaco, para mostrar aos lorpas lá da minha terra que eu agora já sou um homem muito rico.”   
Aconteceu que, logo que a guerra se aproximou do seu fim, e a vitória dos aliados já se fazia sentir, os alemães, grandes compradores do volfrâmio, a pouco e pouco foram-se afastando daquelas paragens até que dali desapareceram completamente. E os ingleses, que ainda se foram mantendo por mais algum tempo, logo que a guerra acabou também eles se escapuliram dali para fora. 
No final de toda esta ilusão, as aldeias ficaram tão pobres como dantes: os ricos continuaram a ser ricos ou mais ricos ainda, e os pobres não deixaram de ser pobres. 
E daí que, a vida naquelas aldeias do fim do mundo continuasse a ser vivida tal como tinha sido feita antes da febre do volfrâmio. Acabando a fase da ilusão, voltou tudo ao mesmo de sempre. Vivendo-se na mesma maneira como sempre ali se viveu: com os mesmos hábitos, usos e costumes. Usufruindo-se dos mesmos baldios, dos mesmos lameiros do povo, do mesmo forno do povo, et ceterá. E também as vezeiras e os trabalhos rurais, que eram feitos pela força braçal dos homens e pela força dos animais domésticos, continuaram a ser feitos da mesma forma de sempre.
  
Nesta obra, descreve-se, pois, a forma de viver das gentes duma dessas aldeias, metida nas fraldas das serras transmontanas, num tempo bastante conturbado do nosso País, onde se vivia do fruto do amanho dos campos, duma lavoura ancestral, e da criação do gado, a meias com o fruto de algum contrabando que se ia fazendo com a vizinha Espanha. 
A partir de certa altura, porém, também estas aldeias vieram a sofrer os efeitos das guerras nas colónias, que, durante uma boa dúzia de anos, lhes arrebatou muitos dos seus jovens. 
E, para agravar ainda mais a falta de mão de obra jovem, que se ia fazendo sentir por aqueles lugares, muitos outros jovens, nas vésperas de serem incorporados nas fileiras, para não irem combater na guerra das colónias, davam o salto, fugindo para a França. 

Procurou-se, assim, com esta modesta monografia, narrar a vida das populações duma aldeia serrana, situada longe dos grandes centros urbanos, e onde ainda se faziam sentir bem fortemente as tradições locais, muitas delas assentes em meras crendices, feitiçarias, e certos hábitos religiosos misturados com algumas práticas de origem pagã. Os usos e os costumes daquelas populações rurais encontravam-se ligados ainda a alguns dos comportamentos sociais e humanos próprios dum antigo regime senhorial de fidalgotes e morgadios da província. 
Contudo, naquelas aldeias serranas ainda era frequente resolverem-se os conflitos locais através de decisões de árbitos, louvados, conselheiros, juízes de paz, ou quaisquer outros homens bons da aldeia. E ainda era frequente, também, fazerem-se contratos verbais, firmados apenas com um aperto de mãos. E, alguns arranjos, tratos, trocas e promessas de compras e de vendas eram feitas só por decisões verbais, aceites na palavra dada pelos contratantes. Tais comportamentos mostravam bem que ali ainda se faziam sentir uns restos dum comunitarismo rural, em que muitas das regras e das normas do direito local se baseavam em antigos usos e costumes das comunidades locais. 
E, duma certa maneira, foi por causa do grande isolamento daquelas populações rurais que se foi desenvolvendo a ideia duma auto-governação, bem ilustrada na frase seguinte: “para cá do Marão mandam os que cá estão.” 
Com verdade, algumas destas aldeias serranas encontravam-se abandonadas à sua sorte, entregues a si próprias, longe de tudo e de todos, o que terá levado muitos dos seus habitantes a dizerem “que viviam para ali esquecidos de Deus e dos homens, e que só se lembravam deles quando queriam que eles pagassem as décimas, os dízimos, os quintos, os terços, as côngruas, as indulgências e outras coisas mais.”
  E, assim sendo, resta-me dedicar esta modesta monografia dos costumes das aldeia serranas do norte do País aos seus habitantes, que viveram lá longe, atrás das fragas, longe de tudo e de todos. Penso, assim, ter prestado uma singela homenagem aos habitantes das terras do granito, das urzes, dos tojos, das torgas, das estevas, do alecrim, das alfazemas… 
E, tal como dizia o grande poeta transmontano,  Miguel Torga,  assim eu “louvo as Gentes da Minha Terra.”

 

LITERATURA TRADICIONAL PORTUGUESA

 

Coleção Diversos

Autor: Dr. Amílcar de Melo

ISBN: 978-989-54074-4-6

Páginas: 318

Edição: 06/2018

 

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